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Archive for the ‘Saúde e sociedade’ Category

*Maria Helena Machado

“Hoje, dia 19 de junho de2021, após 15 meses de pandemia em nosso país, chegamos
a triste marca de 500 mil mortos por Covid-19 e quase 18 milhões de contaminados.
Muito grave pensar que no final de dezembro de 2020 já registrávamos mais de 7,600
milhões de contaminados e mais de 194 mil óbitos. Porém, gravíssimo e assustador é a
confirmação de que em apenas 5 meses e meio do novo ano de 2021, o Brasil registrou
mais de 10 milhões de contaminados e mais de 300 mil óbitos por Covid-19!
Contabilizamos mais de 2.500 trabalhadores da saúde que foram à óbito no oficio de
cuidar e assistir a todos nós que procuramos assistência nesses tempos pandêmicos.
As pesquisas que estamos realizando na Fiocruz sobre as Condições de Trabalho dos
Profissionais de Saúde e dos ‘Trabalhadores Invisíveis’ da Saúde retratam nesse contexto
de pandemia, a realidade daqueles que estão na linha de frente. O cenário é marcado
pela dor, sofrimento e tristeza com fortes sinais de esgotamento físico e mental. imposta
pela incerteza da doença – Covid-19, em ambientes com trabalho extenuante, com
sobrecarga de trabalho para compensar o elevado absentismo e mortes de colegas. O
medo da contaminação e da morte iminente acompanham seu dia-a-dia, em uma gestão
marcada pelo risco de confisco da cidadania do trabalhador (perdas dos direitos
trabalhistas, terceirizações, desemprego, perda de renda, salários baixos, gastos extras
com compras de EPIs complementares, uso de transporte alternativo e alimentação). Se
não bastasse esse cenário desolador, eles experimentam a privação do convívio social
entre os colegas de trabalho, a privação da liberdade de ir e vir e do convívio social e a
privação do convívio familiar.
Nossa solidariedade às famílias dos 500 mil mortos do Brasil. E, muito especialmente,
aos trabalhadores da saúde – enfermeiros, médicos, fisioterapeutas, maqueiros,
condutores de ambulâncias, técnicos e auxiliares de enfermagem, de radiologia, de
saúde bucal, de laboratórios e análises clinicas, de farmácia, dostrabalhadores de apoio,
de limpeza e higienização dos ambientes de saúde, os agentes comunitários de saúde e
de endemias, ou seja, todos que prestam assistência à população brasileira na estrutura
do SUS, bem como os trabalhadores do final de linha, que acolhem e enterram nossos
mortos. Muitos se contaminaram e perderam suas vidas no oficio de cuidar, amparar e
prestar assistência nestes 15 meses de sofrimento, dor e muita tristeza”.

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O mundo não será normal

Cinara Lobo

As carreatas em prol da abertura do comércio clamam pela volta ao normal. No fundo, desejam não apenas o retorno do comércio, querem um mundo que não existe mais. Os shoppings podem reabrir, mas nunca mais serão os mesmos. Seus frequentadores, classes média e alta, com poder aquisitivo para consumir, instruídos, bem informados, não vão arriscar a vida por um vestido ou sapato novo. Podem até retornar as compras, mas de forma bem mais comedida e objetiva. Irão ao shopping como quem vai a uma ferragista: “Tem prego?” Mas o lucro dos shoppings vinha do consumo desnecessário, da praça de alimentação, dos cinemas, do lazer. Fazer compras e lazer se confundiam. Não se confundirão mais.
O consumo fazia sentido quando havia onde exibir o que se consumia. No sistema moderno, havia um arranjo, uma relação complementar, entre consumo e vaidade, e trabalho, e lazer. Explico. Os shoppings, assim como os restaurantes, bares, teatros, eventos, festas, enfim, tudo que envolvia grandes multidões funcionavam como o salão do palácio de Versalhes. Consumia-se e exibia-se. Ninguém consome para tranca-se em casa, olhando-se no espelho. Os narcisistas doentes são raros. A grande parte das pessoas veste-se para alguns. Às vezes, para uma única pessoa. Situação também rara. Quando as portas reabrirem, não seremos devolvidos a uma situação de normalidade completa. Como uma viagem no tempo, seremos lançados num outro tempo. Não estaremos de volta a um ambiente totalmente seguro, que possamos passear a tarde dos finais de semana observando vitrines. Experimentando descompromissadamente bolsas, sapatos, roupas, óculos… Seremos lançados numa objetividade demoníaca que consumirá as entranhas de nossas futilidades inocentes. De repente, só o fundamento é possível.
Se a relação vaidade, consumo, lazer estará quebrada; também a relação vaidade e trabalho. O home office se imporá inevitavelmente. Não apenas porque as empresas descobriram que é mais barato e viável, mas porque as grandes organizações, assim como os shoppings, continuarão a representar risco de vida. Em casa, teremos mais tempo para nossas famílias, nossos Hobbies, nossos cachorros… Teremos mais tempo para ouvir nossa alma. De tudo que fomos retirados, nos últimos anos, e para o qual não sobrava sequer os finais de semana, agora seremos devolvidos. Serão pequenas reuniões para os amigos mais próximos e íntimos. Longos almoços e jantares com a família e os vizinhos. Serão finais de semana com seus filmes e livros. Para aqueles que não se suportam, o mundo se tornará bem mais insuportável. Não pensem de forma alguma que são poucos. É muito difícil conviver com seu silêncio e a solidão. Exige um tempo de aprendizagem. O ficar em casa é difícil para quem não está acostumado. Ouvi de muitos amigos de trabalho que eles preferiam enfrentar, diariamente, horas de engarrafamento a trabalhar em casa. No trabalho, tinham os amigos para conversar, trocar idéias, dividir o como fazer. No intervalo do almoço, iam com a turma para o restaurante divertirem-se e exibirem-se. O local de trabalho também era o lugar onde você mostrava o que consumiu no final de semana. Sem esse local, um pijama mesmo serve.
Percebem que vários elementos que marcam a modernidade, que são uma invenção da modernidade, começam a ruir? As grandes organizações, os prédios com dezenas de andares, os shoppings, as metrópoles com alta densidade humana, a organização do trabalho… Por isso, a volta do comércio não é suficiente para que tudo retorne a normalidade anterior. Durante um bom tempo, vamos esperar por uma vacina que nos devolva a inocente segurança e, até lá, aprenderemos a viver de forma diferente. Ouso dizer que, em longo prazo, se a vacina demorar muito para ser inventada, as metrópoles mudarão. Os apartamentos começarão a ser esvaziados. Por que residir próximo ao trabalho, se agora você trabalha de home office? Por que morar num apartamento, se ele não oferece espaço e o conforto mínimo que você precisa? Se você não pode mais usufruir da área de lazer que foi interditada? Se ao ficar doente por Coronavírus você foi impedido de entrar no seu condomínio pelo síndico do prédio? Se moradores do seu prédio também fizeram motim para que a cuidadora de seu pai não entrasse para trabalhar? Se, afinal, residir em prédio não é seguro! Toda hora, entram e saem pessoas estranhas! Mas nada como uma casa, com seus jardins e pomares! Onde é possível ver o verde! Ter um cachorro! Espalhar os meninos! Sentir o sol! Reunir os familiares e amigos próximos! A casa é muito mais segura, pois nela entra apenas quem você permitiu. Não existem elevadores, perigosíssimos, onde somos obrigados a respirar o mesmo ar. A casa volta a ser o lugar seguro e íntimo.
Veja leitores que, com poucas palavras, esvaziamos os shoppings, mudamos as relações de trabalho e, agora, acabamos com os grandes edifícios e o design das metrópoles. Mas os argumentos não são suficientes para convencer aqueles que acham que basta reabrir o comércio e seu mundo retornará ao normal. Então, vamos continuar nosso exercício de imaginação. Pensem nas grandes festas esportivas, nos estádios de futebol, nas grandes competições que já estão adiadas… quando retornarão? Pense na economia que gira em torno desses eventos, na quantidade de pessoas empregadas. Agora, imagine que boa parte disso tudo, principalmente, os pequenos clubes, será desmontada a conta gotas nos próximos meses. Inevitavelmente. Sem vacina, não existe Olimpíadas, Copa América, Copa do Mundo, Brasil Open de Tênis… Nem mesmo o buteco lotado onde a gente reunia-se com os amigos para torcer pelo timão!
Tudo está interligado e funciona como um sistema. Um vírus minúsculo entrou no sistema e começou a desmontá-lo. O vírus não está apenas no organismo das pessoas, ele está no sistema que inventamos. Ele minou as bases da modernidade. É um exagero? Pode ser, mas, como diria Weber, meu papel é exagerar.

Cinara Lobo – Especialista em políticas educacionais

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