O uso de construções com artigo único referente a sequência de nomes com diferentes gêneros e números são comuns na literatura e constituem uso legítimo, pois são fatos da língua. Exs.:
As matérias e artigos assinados não refletem a opinião da editoria.
Paciente com lesões na cabeça e pescoço.
As mulheres, idosos e crianças foram logo atendidos.
Esse uso está consagrado pela Lei do Uso e reflete praticidade. Contudo, é interessante considerar alguns aspectos que poderiam levar ao aperfeiçoamento redacional.
Nos casos em estudo, nota-se a falta de paralelismo, com disposição imperfeita, o que pode inspirar interrogações. Embora tenha lógica e seja muito usada, sobretudo em textos jornalísticos, questiona-se também a construção em que o artigo referente ao primeiro nome serve igualmente em gênero e número aos seguintes, mesmo que todos sejam do mesmo gênero e número:
Foram lesados os ombros, membros, pés e dedos da mão esquerda.
Foram examinadas a cabeça, mama esquerda, mão direita, região inguinal direita.
Nesses casos, pode-se omitir o artigo:
Foram lesados ombros, membros, pés e dedos da mão esquerda.
Foram examinadas cabeça, mama esquerda, mão direita e região inguinal direita.
Do ponto de vista gramatical normativo, quando os gêneros e os números forem diferentes, podem ser usados para cada um deles os artigos correspondentes:
Paciente com lesões na cabeça e no pescoço.
As mulheres, os idosos e as crianças foram logo atendidos.
Bons autores de Gramática orientam como usar artigos definidos em situações de sequências:
1) C. Cunha & L. Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1998, p. 226): “Quando antes do primeiro substantivo de uma série, o artigo deve anteceder os substantivos seguintes, ainda que sejam todos do mesmo gênero e do mesmo número. Exs.: Para ganhar o céu, vendeste a ira, a luxúria, a gula, a inveja, o orgulho, a preguiça, e a avareza (Olavo Bilac). Cantava para os anjos, para os presos, para os vivos, e para os mortos (J. Lins do Rego).”
2) Rocha Lima (Gramática normativa da língua portuguesa, 1996, p. 298): “Repete-se o artigo na distinção de gênero e número: o patrão e os operários, o genro e a nora”
3) Napoleão M. de Almeida (Gramática metódica da língua portuguesa, 1998, p. 133): “Quando o primeiro elemento vem antecedido de artigo, este deve aparecer também antes dos demais”: São línguas vivas o português, o italiano, o inglês, o espanhol, etc.
Também autores jornalistas assumem esse uso:
1) Eduardo Martins (O Estado de São Paulo, Manual de redação e estilo, 1996, p. 43): “Quando empregados com um substantivo de uma série, o artigo deve ser usado para os demais: O Brasil, a Argentina e o Uruguai discutiram… e não: O Brasil, Argentina e Uruguai discutiram…
2) Luiz Garcia (O Globo, Manual de redação e estilo, 2000, p. 104): “Se existe artigo antes do primeiro substantivo de uma série, ele tem de existir antes de todos os outros. Certo: Embarcou para a Alemanha, a França e a Itália, ou: Embarcou para Alemenha França e Itália. Errado: Embarcou para a Alemanha, França e Itália”.
A gramática normativa pode ser um exemplo de método, de organização e de discipina aceitável. Bons linguistas apregoam com razão que, na linguagem geral, os conceitos de certo e errado causam preconceitos, atitudes danosas e restritivas aos locutores de uma língua. Atestam com justiça que as variedades contidas na linguagem falada e na linguagem escrita são fenômenos que fazem parte da linguagem em seu mister principal – a comunicação. Declaram também que a existência do português padrão é um fato e advogam sua utilidade. Segundo Mário Perini, é necessário ensinar o português padrão, e concorda que o ensino normativo não deve ser suprimido, mas que deve ser atacado com muita cautela e com toda diplomacia, manejado com cuidado, colocá-lo em termos mais realistas para não desencorajar iniciativas no campo da linguagem (Mário Perini, Gramática descritiva do português, 2007, p. 33-34).
Para Fiorin, a abordagem descritiva adotada pela Lingüística entende que as variedades não padrão do português caracterizam-se por um conjunto de regras gramaticais que simplesmente diferem daquelas do português padrão. Acrescenta que a gramática de uma língua ou de um dialeto é a descrição das regularidades que sustentam sua estrutura (J.L. Fiorin e outros, Introdução à Lingüística, 2007, p. 21).
Tendo em vista o exposto, considerando-se que a linguagem científica e a linguagem normativa devem ser expressas com clareza, exatidão e concisão, como é amplamente ensinado no âmbito científico, a variedade normativa do padrão culto está aqui indicada, por sua formalidade, disciplina e organização metódica.
Simônides Bacelar
Inst. de Letras, UnB
Serviço de Apoio Linguístico
Terminologia Médica
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