Eu pensava em fazer uma grande manifestação às mulheres de todo o nosso planeta.
Falar da solidariedade para com suas lutas, falar de meu respeito permanente para com ela, falar da minha indignação para com as agreções permanentes que tem sofrido em muitos lares, locais de trabalho, na rua; do absurdo que é precisarmos de um “Dia Internacional” para que reflitamos sobre o massacre permanente que tem sofrido em muitas de nossas comunidade; de que sonho com o dia em que todos os dias sejam dias de homens e mulheres terem sua dignidade respeitada e valorização não avaliada pelo gênero mas por mérito. Mas resolvi nada dizer disso.
Resolvi falar pela voz de outra mulher. De uma grande mulher.
TODAS AS VIDAS
Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço…
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo…
Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho,
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
– Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos.
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha…
tão desprezada,
tão murmurada…
Fingindo alegre seu triste fado.
Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera das obscuras.
Fonte: Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, Global Editora, 1983 – S.Paulo, Brasil