Por José Gomes Temporão
O Sistema de saúde brasileiro é um processo histórico e complexo que não se encerra. Porém, o momento atual tem uma dinâmica bastante distinta da que existia quando o SUS (Sistema Único de Saúde) foi concebido, há mais de 20 anos. Naquela época havia um consenso na sociedade de que uma medicina pública, de qualidade, em um sistema universal era o que todos queriam. Hoje essa questão não está tão clara assim e o Brasil está discutindo, mesmo que de maneira tímida ainda, a perda da hegemonia da saúde pública. A medicina privada cresce e se fortalece devido a um fenômeno que pode ser explicado de algumas perspectivas. A primeira é a crônica falta de recursos do setor público.
O SUS nasceu subfinanciado, situação agravada ao longo da sua existência e que permanece. Um exemplo dos estragos que esse subfinanciamento causa são os hospitais do antigo Inamps, no Rio de Janeiro, e que hoje são do Ministério da Saúde. Há 20 anos, eles eram os melhores do Brasil e agora não conseguem se colocar nesse ranking nem de longe. Atualmente, os principais hospitais brasileiros são privados e localizados na cidade de São Paulo. Sem recursos suficientes, o setor público perdeu qualidade e eficiência, abrindo espaço para o avanço da medicina privada.
Outra questão importante e relevante, que explica do ponto de vista político-ideológico a perda da hegemonia, é a visão atual da sociedade de que ter um plano de saúde representa, de certa forma, uma ascensão social. É um grave equívoco achar que um plano privado pode resolver todos os problemas porque, na maioria das vezes, não é bem assim. A reivindicação dos sindicatos dos . trabalhadores, de todas as categorias, de planos de saúde também está incluída nesse cenário. Esses sindicatos, do ponto de vista político e do discurso, dizem apoiar o Sistema Único de Saúde, a medicina pública para todos, mas pragmaticamente preferem optar pelo setor privado dentro de seus acordos coletivos. Curiosamente, o funcionalismo público dos três poderes também faz parte desse processo e têm planos privados. Uma questão pouco discutida e enfrentada, e muito irônica também,é que os próprios funcionários públicos que tralham no SUS, e que defendem o Sistema, têm plano privado, o que é uma contradição em si.
Mais curioso ainda é que em todos esses casos há renúncia fiscal e subsídios diretos e indiretos do governo. As famílias e as empresas, por exemplo, podem abater as despesas com saúde no Imposto de Renda e cerca de 50% do custo dos planos do funcionalismo público é pago pelo Estado. Isso é um paradoxo. Quando se soma todo esse conjunto de subsídios e renúncia fiscal, estima-se que isso hoje esteja em torno de R$ 15 bilhões por ano. Isso significa que são transferidos R$ 15 bilhões do SUS para o sistema privado. É como se com uma mão o Estado colocasse subsídios a partir do reembolso das despesas médicas-hospitalares das empresas, famílias de classe média, gastos com os planos do funcionalismo e com a outra mão retirasse esse recurso do setor público. Então, a leitura que se faz é que o setor privado de saúde cresce e se fortalece a custa do Sistema Público, a partir de uma renúncia fiscal e de subsídios do poder público.
Por isso, a relação entre o público e o privado deve ser rediscutida, repensada, pois o Brasil pode se aproximar de uma situação perigosa, que seria o processo de ‘americanização” do sistema de saúde. Por exemplo, o movimento que a sociedade americana fez nos últimos anos até culminar na reforma Barak Obama, que tenta corrigir algumas das tendências nefastas de mercado sobre a saúde nos Estados Unidos mas que, mesmo assim, não consegue ser implementada totalmente pelo presidente. Esse processo lento de degradação contínua do sistema público, de subfinanciamento crônico, aliado à essa questão político-ideológica da medicina privada como um processo de ascensão social, leva a saúde brasileira a um modelo mais próximo do americano e a distância do europeu, que foi a sua referência.
Fonte: Blogue Saúde com Dilma